MEIO SÉCULO

UM PEDAÇO DE MIM - MEU PRIMEIRO PEDAÇO

Exatamente hoje faz cinqüenta anos que aportou no planeta Terra, vinda de não sei onde, a pessoa mais importante para mim, eu mesma.

Hoje tenho um motivo especial para contar um pedaço da minha vida, meu primeiro e melhor pedaço. E juro que foi tudo culpa da minha mãe, não minha!

Tudo começou quando ela acreditou no médico na hora que ele falou que eu só sairia fazendo uma cesárea, e como morria de medo de cirurgia, limpou a casa, foi à feira e eu lá dentro chacoalhando. Eu queria sair e ela agarrada nas panelas fazendo o almoço. Quando eu já tava quase saindo pela boca (dela claro!), ela chamou meu pai e foram pra maternidade.

Resultado: nasci na fila do elevador.

Você já viu que coisa mais ridícula, do que nascer na fila do elevador?

O que se pode esperar de alguém que nasce na fila do elevador de um hospital público? Em um dos locais mais cariocas do Estado da Guanabara, ou seja, Avenida Brasil.

Fazer o quê? Foi assim que começou a probabilidade de dar tudo errado comigo, mas com jeitinho a gente tenta fazer tudo mais errado ainda pra ver se dá certo.

Só não deu muito certo com a minha mãe.

Quando chegou em casa é que a pobrezinha descobriu a bomba que tinha trazido da maternidade. Eu trocava o dia pela noite!

Como ela mesma me contou:
- Davam seis horas da manhã e não havia santo que fizesse você ficar acordada; eu te sacudia, botava no banho, dava o peito, mamadeira, chuca, água, laranjada e nada.

Só faltava me jogar na parede como o faziam com o Baby da Silva Sauro. Ah! Mas quando davam seis horas da tarde... Que alegria familiar! A Baby Lua da Silva Nua Sauro acordava.

- E você ainda abria os olhos e fazia um barulhinho assim: hã, como se dissesse: cheguei! Contava minha mãe, que tinha casa, comida, roupa dos cinco integrantes da família, sendo que tinha duas filhas mais velhas que eu para cuidar. Meu pai na época era vendedor de uma firma de louças e vidros em geral, andava o dia todo atrás dos fregueses num Rio 40 graus. Chegava morto de cansado, de fome, de calor, irritado e... sua filhotinha mais nova ali, novinha em folha, esperando o papai para brincarmos a noite inteirinha. Que felicidade!

Minha mãe me contava que fazia todas as simpatias que ensinavam a ela. Colocava tesoura aberta debaixo do meu colchão, galho de arruda, dentes de alho ou macela, vestia minha roupa de baixo pelo lado do avesso, às vezes me botava para dormir virada para os pés da cama, manjericão no travesseiro pelo lado de dentro da fronha, pitada de açúcar na água do banho, sache de cascas frescas de maçã presa no berço. Rezava até para Santa Clara, que é a santa das coisas impossíveis. E nada... Diz ela que foram seis meses trabalhando de dia e sem dormir à noite. Até hoje não sou boa nessa coisa de dormir cedo, tenho a idéia de que meu (con)fuso horário está lá no Japão.

Mas também, quem mandou me deixar nascer na fila do elevador?

Melanie
5/12/2006

OBS: Clique na foto, vale a pena ler.
Ganhei isso da minha mãe quando minha avó morreu. Minha vó escrevia diários (naquela época não existia blogs) em cadernos e mais cadernos. Quando ela morreu minha mãe os leu todos e os queimou, mas me deu esse pedaço do diário da minha vó. Acho que isso prova o que falei, que para minha mãe estava prevista uma cirurgia, ou "operar" como falou Dona Nair.