terça-feira, 29 de março de 2005

ESSA MULHER

Joyce/Ana Terra

De manhã cedo essa senhora se conforma
Bota a mesa, tira o pó, lava a roupa, seca os olhos
Ah, como essa santa não se esquece
De pedir pelas mulheres, pelos filhos, pelo pão
Depois sorri meio sem graça
E abraça aquele homem, aquele mundo que a faz assim feliz
De tardezinha essa menina se namora
Se enfeita, se decora, sabe tudo, não faz mal
Ah, como essa coisa é tão bonita
Ser cantora, ser artista, isso tudo é muito bom
E chora tanto de prazer e de agonia
De algum dia, qualquer dia entender de ser feliz
De madrugada essa mulher faz tanto estrago
Tira a roupa, faz a cama, vira a mesa, seca o bar
Ah, como essa louca se esquece
Quanto os homens enlouquece nessa boca, nesse chão
Depois parece que acha graça
E agradece ao destino aquilo tudo que a faz tão infeliz
Essa menina, essa mulher, essa senhora
Em quem esbarro a toda hora no espelho casual
É feita de sombra e tanta luz
De tanta lama e tanta cruz que acha tudo natural

quinta-feira, 24 de março de 2005

PÊ CÊ

Os surtos estranhos começaram de uma forma branda, quase imperceptivelmente, mas com o passar do tempo as crises foram aumentando sua freqüência, ele começou a ter altas variações de pressão e palpitações.

Um dia acordei de madrugada com ele dando uns estalidos estranhos e quando fui medir sua temperatura anal fiquei horrorizado. O pobre coitado estava com 94º de febre e a hora que olhei para o monitor piscavam luzes coloridas. Eu comecei a achar que ele estava tendo um surto de comportamento esquizoafetivo do tipo paranóia. Tentei acessar meu caderno de endereços, mas foi em vão. Nenhum dos sinais vitais dele estavam compatíveis com a normalidade.

Procurei pelas gavetas o velho e bom caderno de endereços de papel e achei em baixo de um pouco de poeira, resguardado por algumas teias de aranha, mas o bolor não chegou a tomar conta e desgrudando as folhas amareladas achei o telefone do Doutor Kanalha. Pedi que viesse com urgência, que eu pagaria o adicional noturno, mas que não podíamos deixá-lo morrer assim, sem assistência.

Ele examinou meu pequeno amigo, conseguiu tirá-lo da crise e deixou uma receita para eu avia-la no dia seguinte. Era para dar 4 comprimidos de Lactopurga e 30 gotas de Luftal que ele iria ficar bonzinho.

Fiz exatamente o que o Dr. Kanalha prescreveu, mas a febre tinha voltado e ele estava começando a ter algo parecido com uma convulsão. Liguei para o consultório do médico, mas ele tinha saído e quem me atendeu foi a enfermeira. Disse que o médico tinha pedido para eu comprar um frasco de Haldol, pois meu amigo poderia vir a ter um forte surto esquizóide como agravamento de uma leve paranóia que ele já vinha apresentando.

Dois dias se passaram e nenhuma melhora. A memória do meu amigo tinha sofrido uma coisa parecida como ?estouro da pilha? e ele passou a ter apenas uma vaga lembrança das coisas mais sérias. Como não vi nenhuma melhora, decidi ligar novamente para o consultório do médico.

- Consultório do Dr. Kanalha, em que posso servi-lo?
- Boa tarde senhora... senhora...
- Senhora não, senhorita, por favor, senhorita Kibundha, sou a enfermeira do Dr. Kanalha. Em que posso ajudá-lo?

- Sta Kibundha o Dr. Kanalha atendeu ao meu chamado essa madrugada...

- É o Sr. Tadeu Tadando que está falando?
- Sim.
- O Dr. Kanalha deixou outra receita comigo, caso a medicação da madrugada não desse certo. O Sr. Pode passar aqui até às 17h para buscá-la.
- Sim senhora, já estou indo aí.

Em 15 minutos eu estava chegando no consultório, peguei a receita, agradeci e parti pra dentro da farmácia, meu amigo tinha piorado muito. As convulsões tinham recomeçado.

O balconista da farmácia leu a receita e perguntou:
- O senhor tem certeza que são esses remédios mesmo?
- Respondi ?sim? e pedi para ler a receita, pois com a pressa eu não tinha nem lido a prescrição passada pelo Dr. Kanalha.

Sr. Tadeu Tadando, se o Sr. Bicheira Bagaceira não tiver melhora de 24 a 72 horas entrar com a medicação de urgência que consiste em:

Diariamente e por 10 dias seguidos ministrar:
5 colheres de sopa de Agarol
Um comprimido de Gardenal
E dois comprimidos de Ascarical
OBS.: O Gardenal é apenas uma medida profilática, pois ele vai cagar as bichas todas sem ter convulsão.

Quando cheguei em casa e mostrei a medicação para meu amigo Bicheira e ele deu um pulo tão grande que pensei que estava curado. Mas que nada, ele quase saltou pela janela. Infelizmente, era só mais um de seus surtos psicóticos. Quando ele me viu pensou que estava vendo o Dr. Q Dedo que ele já conhece tão bem, um médico excelente, muito capacitado e habilitado, mas por ser proctologista meu amigo tinha horror dele.
- Porque você reagiu assim Bicheira? Perguntei.
- Pensei que o Dr. Q Dedo estava chegando para me fazer um exame, eu não quero Q Dedo! Não quero! Prefiro o suicídio!!!
- Calma amigo, só estou trazendo a medicação do Dr. Kanalha, acho que agora você melhora.

Dez dias se passaram e meu amigo continuava com febres, palpitações e às vezes nem vaga lembrança tinha mais.

Ele parecia O Malandro do Chico Buarque:

O malandro/Tá na greta
Na sarjeta/Do país
E quem passa/Acha graça
Na desgraça/Do infeliz

O malandro/Tá de coma
Hematoma/No nariz
E rasgando/Sua bunda
Uma funda/Cicatriz

O seu rosto/Tem mais mosca
Que a birosca/Do Mané
O malandro/É um presunto
De pé junto/E com chulé

O coitado/Foi encontrado
Mais furado/Que Jesus
E do estranho/Abdômen
Desse homem/Jorra pus

O seu peito/Putrefeito
Tá com jeito/De pirão
O seu sangue/Forma lagos
E os seus bagos/Estão no chão

O cadáver/Do indigente
É evidente/Que morreu
E no entanto/Ele se move
Como prova/O Galileu

O malandro nº 2
Kurt Weill - Bertolt Brecht - versão livre de Chico Buarque/1977-1978 para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarqued

Passaram-se os dias à base de Lamotricina, Venlafaxina, Valproato e Clonazepan.
Se bem que eu achava que seria melhor Formicida logo de uma vez, dizem que a Tatu é a melhor, deixa o intestino em tiras que nem o Pitangy dá jeito.

Mas tive que chamar mesmo o Dr. Q Dedo, que depois do seu "dedo santo", trocou o cooler, formatou o HD, deletou todos os vírus e meu amigo Bicheira Bagaceira voltou a ser o micro que sempre foi: O MELHOR PC DO MUNDO.

segunda-feira, 21 de março de 2005

OUTONO



Djavan

Um olhar, uma luz
Ou um par de pérolas, mesmo sendo azuis
Sou teu e te devo por essa riqueza
Uma boca que eu sei
Não porque me fala lindo
E sim beija bem
Tudo é viável pra quem faz com prazer

Sedução, frenesi
Sinto você assim
Sensual, árvore, espécie escolhida
Pra ser a mão do ouro
O outono traduzir
Viver o esplendor em si

Nua pele, um bourbon
Me aquece como eu quero
Sweet home
Gostar é atual além de ser tão bom.


Hora de desarmar, limpar e fazer os consertos nas barracas de camping, guardar o bronzeador, o biquíni e a canga. O chapéu de praia vai enfeitar a parede com aquele colar feito de um monte de conchinhas catadas na praia.

Hora de guardar o short e as camisetas de alça, os vestidos de flores miúdas.

O Outono acaba de chegar e é conhecida como a estação das folhas secas que caem das árvores, cobrindo o chão das cidades e campos como um lindo tapete com vários tons de terra. É o tempo dos dias de céu azul intenso e brisa leve.

É a estação de se preparar para o frio do inverno, rever o guarda-roupa, tirar as mantas e cobertores para tomar sol e vento.

Deixar limpa a lareira, juntar galhos e cortar a lenha. Arrumar tudo para quando os dias de frio começar a chegar devagarzinho.

Uma estação muito rica em aromas e sabores, uma verdadeira festa para o nosso paladar, é época de ir para a cozinha brincar de inventar algo morno como nossos corações, café com creme, bolo de chocolate com calda quente e recheio de nozes pecã.

Sim, hora de pecar.

Sentar na cadeira de balanço da vida e fazer um levantamento para aonde estamos indo e de como queremos ir.

Hora de fertilizarmos a existência, como as folhas mortas fertilizam o solo.

É chegado o tempo de renascer das folhas mortas.

É chegado o tempo...

sábado, 19 de março de 2005

VIAJAR É PRECISO...


Se me perguntarem por que preferimos deixar um carro confortável, com som, ar condicionado e cheio de espaço, na garagem de casa e viajarmos de moto, com lufadas de vento, insegurança, pó na cara e na roupa, sol torrando e chuva dando agulhadas e bunda doendo, eu não saberia explicar.

Sei que é bom, é emocionante e gostamos.

Gostamos de fazer parte da paisagem e não apenas olhá-la através do vidro da janela fechada.

A estrada para o motociclista é como esse marzão, não tem fim.

Não precisamos nem saber aonde vamos, ir é o importante.

E mais importante do que ir, é saber que vamos juntos.

Melanie

FALANDO SOBRE PAIXÃO - I PARTE


YAMAHA RX 125C - PRATA & AZUL

Isso foi em 1983 e lá se vão 22 anos.

Na época eu estava sem carro e sem previsão de comprar um e ia sempre com a minha filha, que tinha 5 anos, até a garagem do prédio onde morávamos, era lá onde as crianças brincavam. Era uma garagem espaçosa, com sol e, eventualmente, uma piscina de plástico de 1.000 litros onde cabiam umas 10 crianças. Foi nessa garagem que eu a vi pela primeira vez e comecei a namorá-la.

Era uma Yamaha RX-125c prata e azul que eu não sabia quem era o dono. Um dia quando eu estava com a minha filha na garagem um vizinho, marido de uma amiga do prédio, desceu e foi ligar a moto. Começamos a conversar sobre ela e ele me contou que aquela moto tinha menos de 6 meses e que um amigo tinha dado para o filho de 17 anos, se arrependendo logo depois. A moto foi apreendida porque o menino não tinha carteira por ser menor de idade, e que esse amigo tinha pedido para ela ir buscá-la no DETRAN, por ser habilitado, e que ficasse com ela até vender.

Foi aí que o diabo começou a me atentar...

Conversa vai, conversa vem, falei que queria ficar com a moto e lembro que levei 4 meses para pagar na seguinte forma: 50 + 50 + 5 + 5. Quando paguei o primeiro mês ele queria que eu ficasse com chave e documento, mas eu não quis e pedi para ele continuar ligando e, eventualmente, andando nela. No segundo pagamento ele insistiu para que eu ficasse novamente com a posse da moto, e eu insisti que só pegaria o documento quando terminasse de pagar. Ele riu, pois eu já tinha pago mais de 90% do valor dela, e eu respondi que se algo acontecesse eu não teria o restante do dinheiro.

E foi exatamente o que fiz.

No dia que fui levar os últimos 5 não sei o quê, pois não me lembro mais o nome do dinheiro na época, eu peguei a chave e o documento. E foi aí que comecei a ter outros tipos de problemas: eu não tinha carteira de motociclista, e a de motorista estava vencida, nem dinheiro para passar a moto para o meu nome e pagar o IPVA que iria vencer, tinha uma filha de 5 anos, pequena demais para um garupa e o pior de todos os problemas é que eu não sabia andar de moto.

Acho que levei um mês ligando a moto sem ao menos tirar do lugar, até que um dia eu me perguntei se eu era uma mulher com ou sem fibra, mas não obtive resposta. Aí, como falam no Rio de Janeiro, me emputeci. Combinei com a minha irmã de irmos um domingo à tarde até a casa do papis & mamis, mas ela teria que ir de carro atrás o tempo todo pra não deixar ninguém passar por cima de mim. Eram somente 6Km e num domingão de calor o RJ inteiro dorme à tarde.

Com o tempo fui pegando as manhas: a de andar com minha filha amarrada em mim, a de que sendo uma moto com motor 2 tempos o que não consumia de gasolina, consumia em óleo e vela de ignição e fui "pegando gosto" como falam os mineiros.

E a bichinha me proporcionou "causos" hilários.

O primeiro deles foi quando descobri que vela quando queima, nem os anjos conseguem fazer a moto ligar. Eu descobri isso por volta do meio dia indo almoçar com um amigo. Depois de quicar umas 10 vezes e terminar de matar a moto por afogamento, que já estava morta por queima de vela, passou uma boa alma que se sujeitou a empurrá-la até a oficina mais perto, enquanto eu ia levando o táxi dele. Numa outra vez, num verãozão das duas horas e quarenta graus, a odisséia foi com minha filha na garupa, mas dessa vez eu estava armada com chave e vela nova, foi só pedir aos seguranças de uma faculdade perto de casa para me deixarem usar a sombra da árvore do estacionamento que fiz o serviço de mecânica ali mesmo.

Comecei a pensar em vendê-la quando passei um dos maiores medos da minha vida.
Eu tinha ido até a casa da minha irmã e apesar de jurar que eu voltaria antes de anoitecer, ficamos conversando mais do que devíamos e saí da casa dela por volta das 9 da noite. Roupinha básica de motoqueira: jeans, tênis, jaqueta e capacete - que na época não era obrigatório - e trafegando numa das mais largas avenidas do RJ começo a ver uma retenção no trânsito. Acidente? Tiroteio? Blitz? "Não! Blitz não!!! Não tenho nenhum documento em dia, o IPVA venceu há 6 meses, não tenho habilitação e nem tive grana pra passar a moto pro meu nome"... Blitz não....

Blitz sim...

Carros paravam por amostragem, ou seja, um sim e alguns não. Motos, TODAS! Ficavam 3 policiais exclusivamente para atender aos motoqueiros. Pensei: "tô ferrada e é agorinha mesmo".... Eu estava a uns 200 metros de casa, sem dinheiro nem para pegar o ônibus, perto do estádio do Maracanã, e eu sabia que morava num dos lugares mais perigosos do RJ, e apavorada porque do meu lado esquerdo tinham firmas, que pela hora, estavam fechadas, e do meu lado direito a linha do trem e depois o morro da Mangueira. Nada agradável para uma mulher sozinha fazer esse percurso a pé, e a probabilidade de eu chegar sã, salva e íntegra em casa era de 0,1%. Nessa hora só consegui pensar numa frase: tô fudida! E o pior... literalmente.

Tentando me valer do sangue frio germânico (que carrego 25%), parei a moto no lugar indicado pelo guarda, desliguei minha amiga, tirei a mochila das costas e o capacete, e foi nessa hora que ouvi o guarda que vinha em minha direção falar:

- Ah! É mulher!? Pode ir embora. Olhei para ter certeza que era comigo... E era.

Botei a mochila nas costas, o capacete, liguei a moto com maior cuidado, passei primeira e... Ele para na minha frente e fala:

- Se bem que eu deveria ver os documentos de todo mundo, né? Secamente eu respondi:

- Por mim tudo bem, quer? E inclinei o ombro mostrando a alça da mochila. Ele respondeu:

- Não, pode ir embora.

Eu fui.

Fui tendo um ataque de risos até em casa, mas não era felicidade e sim histerismo, medo, pavor, terror de ter que ira a pé pra casa.

Depois de um ano com ela e de sobreviver a isso, comecei a pensar seriamente em vender a moto.

Obs: A minha era prata e azul, mas como é muito antiga eu só consegui essa foto na net.

quinta-feira, 17 de março de 2005

FALANDO SOBRE PAIXÃO - II PARTE


HONDA ML 125C - VERMELHA

Depois de trocar a Yamaha RX-125c por um bugre e ficar com ele uns 10 meses, casei e mudei do Rio de Janeiro para Rondônia, para morar numa cidade estilo faroeste chamada Ariquemes. Eu estava bem quieta no meu canto até que sugeri ao marido que entre comprarmos um carro velho ou uma moto nova, esta daria menos despesa. Estávamos começando a vida de acasalados e construindo uma clínica com mais 5 sócios. Era ou moto, ou andar a pé. E isso não é muito bom para o organismo quando se mora num lugar que tem 360 dias quentes por ano, e onde o verão foi feito de poeira e o inverno de lama.

Lá fomos nós, mas agora para a Honda porque moto de 2 tempos é como traição, uma vez só basta.

A escolhida foi uma ML 125c vermelha que ganhei no fim do ano, perto do meu aniversário em 1985. Dois anos sem moto me fizeram ficar com medo de tirá-la da loja, zerinho, brilhando, mas como só eu tinha habilitação, fui a escolhida.

Em março de 86 engravidei do meu segundo filho e esse foi gestado praticamente em cima do tanque de gasolina daquela ML. Minha barriga ia crescendo e encostava no tanque - Será que é por isso que ele está com 18 anos, indo para auto-escola e pediu para tirar carteira de carro e moto? Morro de medo, mas deixei né? Fazer o quê?

Andei na ML até uns 7 meses de gravidez e depois meu urologista (na época dono de uma CB 400) me proibiu andar de moto com aquele barrigão.

Quando meu filho nasceu, em noites muito quentes dávamos um passeio familiar de moto. Na época ele devia estar com uns 3 meses e íamos com a filha no tanque, marido pilotando e eu atrás com o filhote enfiado num daqueles cangurus que as mães usam para carregar filhotes pequenos. Ele ficava lindinho, com o nariz vermelho como um palhacinho, acho que sentia um pouco de frio, mas fazia cara de quem estava gostando.

Mas como não podia deixar de ser, essa moto também nos proporcionou histórias tragicômicas, e em uma delas, mais ?quase trágica? do que cômica eu aprendi o que é realmente pilotar uma moto, e que nunca devemos confiar nos motoristas desatentos.

O que rolou foi o seguinte:

Marido chegando para almoçar e eu me preparando para levar a filha para a escola. Quando estou de saída ele vem chegando com a moto, falei:

- Nem desliga, levo a Paty na escola e volto em 2 tempos para almoçar com você, me espera.

Fui devagar, como sempre faço com criança na garupa, mas voltei descendo a lenha, quebrando o coco, ou como falava um amigo meu, ?deitando o cabelo?. Era uma avenida reta, comprida e eu morava no 11º quarteirão. Entro na avenida com pressa e na minha frente um caminhão basculante, aí a gente fica naquela de ?vai lá fora, vê se dá pra ultrapassar, não dá, volta?. Foi aí que vi a seta do lado direito piscando, pensei ?agora eu vou? e comecei a abrir para ultrapassar. Algo falou na minha cabeça ?vai não, você não tá com tanta pressa assim para arriscar...? e optei por voltar pra trás do caminhão, e foi nessa hora que em vez de virar para a direita como estava sinalizando, virou para a esquerda. Arrepiei inteirinha... Se eu tivesse ultrapassando, eu ficaria no meio, provavelmente em baixo da roda traseira dele.

Ficamos com essa moto pouco tempo, porque eu com dois filhos pequenos e marido com dois tombos nela tirou o tesão.

O primeiro tombo dele foi moleza, época de seca, caiu na terra e não machucou, mas o segundo foi mais sério e no asfalto. Ralou joelhos e mãos, e cirurgião de mãos raladas não pode trabalhar.

Foi quando decidi que meu presente não estava servindo mais e decidi vendê-la. Ele protestou dizendo que tinha sido um presente de aniversário, mas se ganhei, era minha e se era minha eu podia fazer dela o que quisesse.

Compramos um fusca velho.

quarta-feira, 16 de março de 2005

FALANDO SOBRE PAIXÃO - III PARTE


HONDA STRADA 200C - VERMELHA & PRETA

O ano era 1995, e eu morava no Mato Grosso do Sul. Nessa época, minha mãe e duas irmãs moravam em Blumenau, e uma outra irmã estava se mudando também para a mesma cidade. Só que com ela a mudança era mais lenta e mais trabalhosa, pois estava mudando sua agência de publicidade também. Então ela ficava Rio/Blumenau direto e numa dessas vezes eu estava lá visitando minha galera.

Minha irmã levou sua moto para Blumenau, isso agilizava toda a correria burocrática para se abrir uma firma e quando eu cheguei ela precisava emplacar a moto, já que tinha mudado o endereço, mas ela não tinha habilitação. Eu já não andava de moto há, pelo menos, uns 8 anos e tive um pouco de medo. Mas a situação era: "ou eu, ou eu... ou sem emplacar", aí sobrou pra mim.

Foi subir na Stradinha e a saudade foi chegando devagar. Essa coisa de moto vicia, e mais do que viciar é um estado de espírito. Como meus filhos já tinham crescido bastante, meu espírito começou a voltar ao seu estado original, motoqueira.

Um ano depois minha irmã resolveu vender a Strada e acho que não preciso dizer quem comprou... E numa noite, em 1997 ela chegou dentro de um caminhão baú, vermelha, novinha, linda e... minha.

Acho que foi a moto que ficou mais tempo comigo, 4 anos, e quando começaram a aparecer os moto boys e seus baús nas traseiras das motos, ela ganhou um também, pois era extremamente confortável sair para as compras com um baú que cabe exatamente a quantidade de uma cestinha de mercado. Ali levei de tudo, até ovos de páscoa. Só que eu morava em uma cidade pequena e o papo que rolava é que tinha uma moto girl na cidade. As pessoas quando me viam na moto vinham perguntar se eu trabalhava com entregas, pois era a única moto com baú.

Essa moto nasceu vermelha na fábrica, mas mudou de cor.

Tenho um fraco por veículos pretos, e um dia marido saindo de casa para o trabalho, cruzou com o dono da casa lotérica que não tinha visão lateral e quase que passa em cima dele. Não passou, mas ele caiu e a moto ficou arranhada, e como ela ia pintar achei que era uma boa hora de mudar a cor. O causador do acidente arcou com os custos do conserto da moto e eu com os da alteração de cor. E ela voltou pra casa mais linda ainda, preta, e passou a ser chamada, carinhosamente, de Minha Pretinha.

Em 1999 Minha Pretinha volta para Blumenau, pois decidimos mudar para lá e eu ficava indo e vindo MS/SC. E foi quando eu comecei a pilotar na estrada aos cuidados do Gui, meu cunhadão. Eram pequenos percursos de 40 ou 50 km no máximo, mas foi assim que comecei a ser mordida pelo gosto realmente do vento entrando pelas narinas, coisa que pilotar na cidade não sentimos muito.

Lembro de uma vez conversando com meu cunhado e meu mestre de pilotagem de moto, contar que eu nunca tinha caído feio. Já tinha derrapado e soltado as motos 2 vezes no chão, mas cair com elas, nunca. Mas todo motoqueiro sabe que a moto foi projetada para cair, por só ter duas rodas e depende totalmente da habilidade do piloto, e que nada "nunca acontece". E um dia aconteceu.

Tinha um encontro de motoqueiros numa cidade a uns 150 km de Blumenau e meu cunhado perguntou se eu queria ir. Lógico que sim, eu nunca tinha pegado mais do que 50 km de estrada e essa seria uma boa oportunidade. Fomos em 3, o Gui, minha irmã e eu, um em cada moto. Iríamos encontrar um grupo de motociclistas num lugar chamado Parada I para seguirmos juntos para o encontro, mas como eu morava na cidade há pouco tempo não fazia a mínima idéia de onde ficava o lugar do encontro.

Estávamos passando por uma avenida que nossa pista estava livre e a outra engarrafada, e não gostei nada quando um imenso caminhão do corpo de bombeiros simplesmente invadiu a nossa via com a sirene ligada e voando baixo. Minha irmã e meu cunhado estavam a direita e encostaram e eu estava a esquerda e não tinha para onde fugir, resultado: fique de frente com o caminhão vindo a toda e por falta de opção, simplesmente cheguei o mais próximo dos carros da mão contrária e parei. Lembro que ainda pensei: "ele vai passar por cima de mim e nem vai ver". Não passou por cima, só tirou um fino. A situação me deixou de uma forma que o sangue fugiu Deus sabe lá pra onde e fiquei branca. Passado o susto seguimos os 3.

Uns 500m a frente entramos na BR e tinha uma rotatória, e como o Gui sabia que a Parada I ficava exatamente na rotatória, entrou nela pelo lado direito e minha irmã atrás e eu entrei pelo lado esquerdo. Erro de estratégia em cima de uma moto entrando numa das BRs mais violentas do Brasil não é uma situação confortável. Quando vi que eles atravessaram a estrada e subiram na calçada e eu teria que continuar numa estrada que eu não conhecia e nem sabia onde ficava o próximo retorno, olhei pelo retrovisor para ver se eu conseguiria atravessar a estrada. Numa pista uma carreta e atrás de mim uma pá carregadeira, aí optei por dar mais uma volta na rotatória. O que eu não contava é que ela estava cheia de areia. Cálculos rápidos e precisos foram necessários... Pá carregadeira ou tombo na areia? Bom, as chances de sobreviver a um tombo a uns 20 ou 30 km/h são enormes, a não ser que algum veículo passe por cima da gente. Então optei por chegar mais perto possível da ilha no lado esquerdo da rotatória, justamente onde tinha mais areia solta em cima do asfalto. Achei que o mais seguro seria parar bem perto da ilha e foi o que eu estava conseguindo fazer, se não fosse o fato de que meu pé escorregou na areia e BUUUUUMMM... Bunda no chão.

Normal né? Quem nunca tomou um tombinho besta de moto? É levantar, bater a poeira da bunda, levantar a moto e tocar pra frente... E é o que eu faria, se não fosse um pequeno detalhe: a moto tinha caído em cima do meu pé. O cano de descarga estava em cima da sola do meu tênis, meu pé virado pra baixo e eu sem poder fazer nada, pois levantar uma moto estando em baixo dela é muito difícil, mesmo assim eu tentei, mas o máximo que consegui foi tirar um pouco o peso de cima do meu pé e dar uma ajeitada para que ele ficasse o mais confortável possível em baixo dela. Quando o fluxo da estrada diminuiu, ouvi atrás de mim alguém falando:

- Corre Gui, que a sua cunhada caiu de moto.

Logo depois senti duas mãos em baixo dos meus sovacos tentando me ajudar a levantar, era um dentista/motoqueiro. Olhei para cima e falei: "não me levanta, tira a moto de cima do meu pé primeiro". Ai que mico!!! Maior tombo em frente a uns 40 motoqueiros com suas maquinas possantíssimas. Cheguei igual cachorro que caiu do caminhão de mudança: "cadê meu cobertozinho e meu pratinho de ração?". Cinco minutos depois a turma estava se preparando para sairmos e meu cunhado me chamou num canto e perguntou:

- Quer deixar sua moto aí e ir comigo na garupa?. Respondi:

- DE JEITO NENHUM!!!

Meu pai me ensinou a dirigir quando eu tinha uns 12 anos, foi um excelente instrutor e sempre me falava: "sofreu algum acidente, entra no carro e dirige para não dar espaço ao medo. Pode ser que se você não fizer isso o medo se instale e você perca a coragem de dirigir". E foi o que fiz, subi na moto e fui para o encontro pilotando. Ta certo que eu estava com um pouco de dor na perna e muito medo, mas eu sabia que podia vencer as duas coisas, e venci. Fui e voltei pilotando a minha moto.

Uma lição eu posso tirar desse fato: "NADA COMO TOMAR UM TOMBO DE MOTO DIANTE DE 40 MOTOQUEIROS PARA NUNCA MAIS SER ESQUECIDA".

Minha pretinha ficou comigo até abril ou maio de 2.000, foi quando eu passei na Honda e dei de cara com uma Twister. Ela seria lançada no mercado no sábado e eu saí da concessionária com uma preta encomendada na sexta-feira à noite, mas isso já é uma outra história...

sábado, 12 de março de 2005

FALANDO SOBRE PAIXÃO - IV PARTE



HONDA TWISTER 250C - PRETA

Coisa gostosa tirar uma moto nova da concessionária...

Ele é linda, tecnologicamente moderna e... minha.

Minha Pretona chegou perto do Dia dos Namorados e ficou sendo presente do meu namoradão.

Depois de estacionada na garagem de casa eu olhava e não acreditava... Ela é linda!!! Pneu bem mais largo do que o da Stradinha e muito mais estabilidade nas curvas.

Só que tive um probleminha com ela no começo: falta-me uns 5cm de pernas e comecei um ciclo de quedas sempre parada ou parando, que foi bastante, digamos, doído para minhas ?almofadas naturais traseiras?.

Triscou, relou e eu TUM, no chão.

Eu ia parando e sempre escolhia o lado mais baixo da rua, cadê o chão? TUM!! Achei!

Lembro de chegar na garagem para sair, ver que era a Twister e não a Strada que me esperava e ter vontade de ir de ônibus. Mas afinal eu sou a filha do Ary ou não? Então vamos vencer esse medo também, e venci.

Em uns 6 meses troquei 2 manetes de freio e 1 de embreagem, mas com o tempo fui corrigindo isso. É que sou baixinha folgada e a moto inclinou 30º esquece porque é muito difícil voltar com ela para o prumo. Numa das vezes tive tanta raiva de cair que fiquei verde e forte como o Hulk e levantei a moto do chão sozinha. Mas se até uva passa, isso também passou um dia e eu parei de cair, aí comecei a curtir.

Depois de moto bem dominadinha na cidade era hora de voltar para a estrada. A diferença de torque dela pra 200c era brutal e isso me deixava mais confiante nas ultrapassagens.

Viajo com marido na garupa, mas gosto mesmo de vôos solos. E falando em marido, ele não tinha habilitação para motos até vir morar em Blumenau, sabe ?cumé qui é né?? Morávamos em cidades muito pequenas que mal tinham guardas de trânsito e isso fazia dele um cara folgado, mesmo porque você já viu médico ficar sendo parado em blitz? Chegando aqui a coisa mudou e o que mandava era a lei do cão: ?sem habilitação, sem pilotar?. Aí era legal, a gente viajava de moto e não tinha aquela pentelhação ?quem vai pilotando?? era só eu mesmo.

Não é que eu não goste que ele pilote, É QUE ODEIO SER GARUPA. Dói tudo, não me acerto ali atrás.

Foi um tempo interessante, eu pegava a moto e simplesmente saía, comecei a ter mais confiança em mim mesma e pegava pequenos percursos de estrada. É impressionante como me sinto em boa companhia quando estou de moto sozinha. Ela é um dos meus lugares preferidos para por a cabeça em ordem e como passei 2 anos precisando fazer isso, era na moto que eu relaxava.

Teve uma vez que combinamos de ir acampar no dia seguinte e eu já tinha arrumado parte das coisas do acampamento. A noite tivemos uma discussão e fiquei bastante aborrecida. Ele foi dormir e eu conectada na net, pensando, pensando... Quando foi umas 3h da manhã resolvi ir para o acampamento sozinha, de moto. Peguei minhas coisas, uma mochila, roupas de frio porque mesmo no verão estrada de madrugada é fria e deixei um bilhete avisando onde eu estaria.

Acho que foi minha melhor viagem. Sem a mínima pressa, optando sempre pelos caminhos mais longos, friozinho, mas não muito, as estrelas no céu e eu na estrada. Fui cantando mentalmente, pensando na vida e em como dar uma arrumada nela. Só quando entrei na BR umas 4 da manhã é que deu um friozinho na barriga. Ela é meio escura para tanta carreta e tão pouca moto, mas nada que muita atenção não detone esse medo.

Num momento olhei pelo retrovisor e vi mais um farol solitário e isso me deu uma sensação de proteção, tinha um outro louco na estrada de madrugada, e também sozinho. Só que com uma moto bem maior do que a minha, mas também sem participar de nenhum rally, ia uns 20 km/h a mais do que eu, me passou sem pressa e seguiu seu caminho.

Eu conhecia o caminho e já tinha estado acampada ali. O camping fica num lugar bonito com uma escadaria na parte de trás que dá para uma rua de terra e a praia. Quando eu cheguei, ele ainda estava fechado, era por volta das 5 da manhã. Parei a moto em cima da calçada, peguei na bolsa uma latinha de cerveja, abri, acendi um cigarro e fiquei sentada na escadaria olhando aquele mar escuro. Não se via nada no mar, eu apenas sabia que ele estava ali. Era uma espécie de solitário acompanhado, pois eu sabia que o mar estava na minha frente e ele sabia que eu tinha vencido alguns medos para estar ali sozinha, de madrugada, somente com minha companheira.

Quando olhei para o céu vi que estava começando a arroxear, era o rei sol mandando avisar que sua beleza e seu esplendor estavam para chegar, e que mais um dia estava começando. Um dia comum, onde pessoas comuns daqui a pouco estariam começando a acordar, espalhar cheiro de café recém coado pelo mundo, tomariam seu banho, ou não, e iriam para o trabalho. Era um dia comum para muitas pessoas, para mim não. Naquela madrugada venci mais um pouco meus medos, transpus mais um muro, viajei sozinha de moto numa madrugada que pra mim foi quase tão feliz como ganhar flor roubada. Para muita gente isso pode ser um fato banal, mas nasci numa época que mulheres não podiam fazer coisas ?de homens? e sempre fui rebelde. Para mim não era um fato banal. Deixei marido e filhos dormindo e saí sozinha, de moto, pela madrugada afora. O dia ia amanhecendo no seu ritmo lento e eu me amando, sentindo orgulho de mim mesma, me sentindo feliz, mesmo sabendo que ia ter cara feia e puxões de orelha quando a galera chegasse no camping.

Quando o camping abriu, eu achei um banco de madeira e dormi o sono que os guerreiros dormem depois de uma batalha bem sucedida.

terça-feira, 8 de março de 2005

FALANDO SOBRE PAIXÃO - V PARTE



HONDA TWISTER 250C - PRATA

CB 600.F Hornet ? ?Papai do Céu eu juro que sou uma boa menina e essa é meu sonho de consumo. É só 46kg mais pesada e 1cm mais alta do que a minha, mas eu vou me esforçar?...

É com essa que eu sonhava, e meus pezinhos podiam até chegar ao chão, mas mesmo sacudindo todos os bolsos de todas as roupas da casa eu não tinha grana suficiente pra ter uma.

Sei que a maioria dos mortais que querem uma coisa não se satisfaz com uma menor, ou pior, ou sei lá. Não faço parte da maioria dos mortais!

Hoje fui à concessionária buscar minha moto nova. Continua sendo uma Honda Twister, mas não mais preta e sim prata. Não mais a 2001 que ganhei no dia dos namorados e sim uma 2005 que ganhei do meu eterno namoradão.

Fui pilotando a velha, me despedindo dela, agradecendo cada momento de prazer que tivemos juntas, agradecendo a ela por ter sido mansa comigo e nunca ter me jogado no chão a mais de 100Km/h, apenas quando estávamos parando, e assim mesmo só no comecinho da nossa união.

Voltei pilotando a nova. Tão prata, tão brilhante, tão com cheirinho de nova. Vim conversando com ela, pedi para que fosse mansa como sua irmã mais velha, fazendo minha "política da boa vizinhança", sentindo, gostando. Adorei!!!!

Ainda não tenho um grande texto sobre ela, ainda não temos uma história juntas, um dia teremos e nesse dia eu conto para você.

OBS: Ainda estamos juntas. Ela continua sendo uma boa moto, mas não chega fácil nos 140Km/h como a sua antecessora chegava, a Preta. Mudaram a moto, ou mudei eu?

Ainda sonho com a Hornet.

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