Foto achada na net, desconheço a autoria.
Não lembro precisamente minha idade, mas sei que foi abaixo de 10 anos. Onde eu morava tinham alguns mendigos. Não eram moradores de rua, mendigos mesmo! Mas conhecíamos todos eles: o Alemão, o Professor, o Carne-Seca que era amigo do Dedão (Dedão porque ele só tinha o dedão dos dois pés, dizia que um trem tinha passado em cima dos outros... Verdade? Mentira?? Não sei.). Do Dedão eu tinha pavor, sempre senti algo ruim quando ele se aproximava e, ou eu corria, ou mudava de calçada.
O Carne-Seca fedia e o Alemão me era indiferente, mas sempre tive muito carinho pelo Professor. Ele não era bêbado como os outros, ele era triste, mas muito inteligente. Muito mais do que eu. Bebia, mas nem sempre e não dava medo.
Às vezes eu voltava da escola e ele estava ali sentado na calçada, um sol de dar dó – Rio 40° - e sempre falando sozinho. Falava, falava e gesticulava como se estivesse falando com alguém. Aí eu diminuía o passo para observá-lo sem que isso o incomodasse. Quando eu ia chegando perto ele sempre falava: "Oi menina!" E eu respondia: "Oi Professor" e nessa hora começava nossa brincadeira. Eu não podia errar, pois se eu errasse ele acabava a brincadeira sem o mínimo aviso prévio, apenas passava a me ignorar. A brincadeira era a seguinte: TABUADA! A maldita tabuada!!!
Ele:
1 + 1
Eu prontamente:
2
Ele:
2 + 2
Eu:
4
Ele:
4 + 4
Eu:
8
Ele:
8 + 8
Eu já calculando nos dedinhos:
16
Ele:
16 + 16
Eu tentando calcular na cabeça e nos dedos atrás de mim:
32
E ele ia...
Mas eu parava no:
128 + 128
E tentando contar na quantidade de dedos que não possuía:
Err, Hã, é....
Ele ria e falava:
Perdeu!
E não adiantava eu falar mais nada, ele não falava mais comigo.
Tinha dias que era diferente, e ele me sabatinava:
1 x 1
2 x 2
3 x 3
4 x 4
E eu matava até o 10, depois eu só ouvia aquele nefasto: Perdeu!
Um dia ele não me aplicou a sabatina e foi um dia só nas nossas vidas que eu pude saber da vida dele. Juntei tudo de coragem que eu tinha do alto dos meus 9 ou 10 anos e mandei bala: "Professor, eu gosto muito do senhor, o senhor é uma pessoa muito inteligente..... (ui!!! Transfusão de coragem sei lá de onde para mandar um...) porque o senhor fica assim morando na rua, bebendo?"
Juro que pensei na pernada que eu ia ter que dar, comecei a mirar a rua que eu teria que atravessar e ver se parava de passar carros.
Mas para minha surpresa ele me respondeu, e tinha tanta dor no olhar dele...
- Menina, você é uma das poucas que passam aqui voltando da escola e não tem medo de mim, por isso vou te responder. Amei muito uma mulher, foi a mulher mais linda que conheci. Eu era professor e trabalhei como louco para dar tudo o que ela merecia. Um dia cheguei do trabalho e encontrei um bilhete dizendo que ela tinha ido embora com outro. Responda-me agora: o que valia minha vida sem ela?
Nunca pude responder, pois eu nada entendia nem de vida, nem amor. Hoje sei que o mundo é grande e que uma pessoa não passa de uma agulha num palheiro, mas sei também que se não acharmos nosso interior, se não nos conhecermos e, principalmente, não nos amarmos, ninguém fará isso por nós.
Há muitos anos que me identifiquei com a matemática. Tanto que anos depois desta história entrei para uma faculdade de Administração. Não sei se o Professor teve "culpa" nessa minha escolha, mas sei que ele só podia ter sido um professor de matemática e me ensinou que ela é quase como um jogo, facílima para quem consegue entendê-la!
Atualmente quando meu neto pede para eu lhe ensinar matemática, ensino a ele em forma de brincadeira e lembro de um Professor que já deve ter virado uma estrela.
2 comentários, falta o seu:
Que legal essa historia heim , mas e você como está espero que bem :))) Aqui estamos numa correria danada as vezes nem lembro que eu existo :(((
Um beijão e não suma !!!
Oi, Luinha...puxa...
às vezes a gente passa na rua e nem lembra que cada pessoa que vemos tem uma vida, uma história...
adorei!
beijos.
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