Qual a sua parcela de culpa?
Texto de Pedro Paulo
Numa tarde de sexta-feira, recebi um telefonema de um amigo me convidando para ir a um churrasco na sua casa. Acontece que na naquela noite eu tinha que dar aula na faculdade. O problema é que eu queria ir ao churrasco, mas como? Bem, eu agi como, geralmente, todos nós agimos: fiz de conta que estava cumprindo com a minha obrigação quando, na verdade, satisfiz o meu prazer. O churrasco começava às oito da noite e a aula às sete e meia. Fui à faculdade, registrei a aula, fiz a chamada e inventei uma aula de leitura na biblioteca, abandonando a turma.
Saí para o churrasco querendo acreditar que cumprira meu dever de professor. No churrasco, fiquei numa mesa com o dono da casa, que é médico, o amigo que estava sendo homenageado, que é policial, um amigo do homenageado que é advogado e político e a sua esposa que é universitária e estuda no período da noite. O assunto era um só: a roubalheira dos nossos políticos e a passividade da sociedade (todos nós) mediante a podridão do episódio do mensalão. Todos estávamos revoltados e propondo soluções para o melhor funcionamento da máquina pública e para o resgate da ética entre a classe política
Num dado momento, o telefone do dono da casa tocou e ele se afastou para atender. Retornando, disse com raiva: "Não dá pra trabalhar com certas pessoas". Naquela noite, ele estava de plantão no hospital, mas chegou lá cedo, visitou alguns pacientes e leu "por cima", os prontuários.Depois foi para casa e deixou como recomendação: "só me liguem em caso de extrema emergência ou se aparecerem pacientes particulares".Estava aborrecido porque a enfermeira lhe telefonara só porque chegou um sexagenário com suspeita de infarto. Ele "receitou" medicamentos pelo telefone e disse que a enfermeira só devia ligar de novo se acontecesse algo grave.
Para aliviar o clima, perguntei ao amigo que estava sendo homenageado se já havia feito a sua mudança de casa. Ele respondeu que sim e, que isso não tinha lhe custado nada, pois o dono da transportadora lhe havia retribuído '"um favor": meses antes, ele tinha "resolvido" uns probleminhas de multas nos seus carros que poderiam lhe custar a habilitação e, até mesmo, a sua empresa!
Aí, a esposa do político liga para uma colega que também fazia mestrado para saber se ela tinha respondido à chamada por ela enquanto ela estava no churrasco, pois ela já estava "pendurada nas faltas" nessa disciplina e não poderia ser reprovada. E, feliz, sorriu com a resposta da colega: dera tudo certo.
Em um outro momento, o anfitrião pergunta ao político como iria ficar o caso de “uma certa pessoa”... E ele respondeu que tudo estava indo bem, o problema era que na secretaria almejada já havia alguém concursado ocupando o cargo que tal pessoa pleiteava. Mas que ele não se preocupasse, pois estavam estudando uma medida legal (?) para transferir o "dito cujo" de função ou de setor para a vaga "do fulano" ser ocupada por ele. "Ele é um que não pode ficar de fora, pois foi comprometido com a gente até o fim",finalizou.
Em meio a tudo isso, não deixávamos de falar das CPI's, da corrupção dos políticos e da cumplicidade da sociedade que, apática, não movia uma palha para mudar nada.
Chegando em casa fui pensar naquela noite e em tudo o que havia presenciado. De repente, me lembrei do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, que diz:
- Nós vivemos num ambiente de lassitude moral que se estende a todas as camadas da sociedade e que esse negócio de dizer que as elites são corruptas mas que o povo é honesto é conversa fiada. Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou pelo menos um comportamento pouco recomendável.
O melhor era que eu não precisava fazer qualquer pesquisa para concordar com o escritor. A sua afirmação estava magistralmente retratada no meu comportamento e no comportamento dos meus amigos naquela noite e naquele churrasco que eu havia freqüentado. Para começar, eu, como professor, roubei o povo ao fingir que estava dando aula. E estou surrupiando (roubando) a sociedade quando marco os tão conhecidos seminários só para não dar aulas, com a mentira disfarçada de que os alunos precisam treinar a arte de expressar bem as suas idéias. Isso pelo fato dessa afirmação não ser verdade, mas parte de uma verdade maior. É lógico que os alunos precisam treinar a arte de bem expressar as suas idéias, mas só depois de serem conduzidos pelo professor que, por sinal, é pago para fazer isso. A verdade inteira é que, quase sempre por motivos pessoais, o professor acaba transformando o que seria uma, de várias técnicas de ensino, em sua prática regular de ensino e o resultado é uma enorme massa de estudantes "transfigurados", da noite para o dia, em professores dos professores que deviam ensinar, mas não ensinam.
E o que dizer do dono da festa, o médico que estava "tirando plantão" e que, ganhando o seu salário, reclamou de ser incomodado, apenas porque um senhor de idade estava com suspeita de infarto? Somos tão convictos de que somos bons, que o médico chegou a dizer que, se ao menos o ancião tivesse sido diagnosticado por um profissional, então ele se sentiria na obrigação de ir atendê-lo. Ele só esqueceu de um detalhe: se o plantonista do hospital que, por sinal era ele, estivesse cumprindo o seu plantão, o senhor de 64 anos de idade, casado, pai de seis filhos, aposentado e que trabalhava desde os doze anos de idade e contribuía com a previdência há trinta, talvez tivesse sido atendido por um profissional e não tivesse sofrido um derrame cerebral.
É interessante vermos, também, o caso da universitária, a defensora dos valores morais. E, aqui eu pergunto: que valores seriam esses? O famoso jeitinho brasileiro que, não custa lembrar, só virou instituição nacional, porque nós lhe damos vida com as nossas atitudes! Acredito que, mais uma vez, o Brasil passa por uma oportunidade de ouro para rever-se como país e sair crescido e melhorado de toda essa crise.
O grande problema está nas pessoas. Em mim, em você, nas nossas famílias, colegas, amigos e inimigos, parentes e aderentes. Se quisermos realmente uma nação melhor temos que assumir que nós também somos recebedores do mensalão e que, portanto, cada um de nós também é merecedor de sentar nas cadeiras da CPI.
Recebemos o mensalão quando fazemos coisas como as descritas acima, e também quando copiamos ou compramos CD's piratas, quando damos propinas ao guarda de trânsito para ele não nos aplicar multa, enfim, todos nós, cada um a seu modo e com o seu preço, também é culpado, pessoalmente, por tudo isso que está acontecendo no nosso país
É bom não esquecer que nossos políticos não vieram de Marte, mas do nosso meio, corrompidos por nós, corruptos e corruptores
O REAL MOTIVO PARA A SOCIEDADE ASSISTIR APÁTICA A TODA ESSA DECADÊNCIA NÃO É APATIA, MAS CUMPLICIDADE.
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NOTA DA LUA NUA:
1. A menina Jane me mandou esse texto por e-mail, decidi dividir com vocês.
2. Eu desconhecia a autoria do texto, mas esses dias recebi um comentário do autor agradecendo a postagem, aí que me toquei que esqueci desse detalhe IMPORTANTÍSSIMO. Corrigindo o erro aí vai o link dos três blogs do Pedro Paulo:
PP Melo Política
PP Melo Psicologia
PP Melo Educação
terça-feira, 1 de maio de 2007
ENTENDENDO O BRASIL
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8 comentários, falta o seu:
Bruxa!
Que legaL, vc postou aqui!
Eu adorei, recebi de uma amiga, pena que veio sem a autoria.
Dificilmente repasso e-mails, mas achei esse texto tão real...podia ser qq um de nós, não é?
Os atos miúdos fazem diferença, mesmo que a gente pense que não... é aquela velha história de salvar as estrelas-do-mar e do "faça a sua parte".
Gostei do texto, pq faz refletir.
Mas continuo acreditando que a maioria dos brasileiros é honesta de verdade...talvez ingênua e/ou despreparada para votar (democracia se constrói lentamente e a nossa ainda engatinha), mas acho que a essência do povo é de honestidade.
Bjocas!
Não concordo, Cris. Já concordei com você, mas hoje em dia acho que a maior parte de nós é corrupta mesmo. Pequenas ou grandes corrupções...
Eu gostaria de voltar a acreditar no meu povo, juro que queria.
Bjcas
Vc está certíssima. As crianças aprendem isso ainda bebês, pelo menos é o que sempre achei.
Olha amei seus últimos posts. Espero que vc esteja bem, outro dia quase te liguei. Oque acontece com o blog do Merton? Não consegui postar, acho que ele me excluiu...rsrsrs. Posso deixar aqui? Bom qualquer coisa vc deleta.
"Lí seus últimos post`s.
Não estou tendo tempo para entrar na internet, pois abri uma lanchonete de porte médio, e ainda estou entrando nos eixos. Mas continuo visitando a todos sempre que posso, embora não deixe sempre meus comentários, como gosto. Me senti sensibilizada com o comentário do Beni. Às vezes é melhor agir somente com o coração... Beijos a todos."
Deem uma passadinha em meu blog, por favor... e comentem.
Obrigada por tudo, Lua...
Essa bandeira por si só já diz tudo Mexa seu traseiro !
Como está coisas por ai ? O filho melhorou ?
Um abração !
Grande Lua.
Pois é querida Lua, o ser humano tem uma tendência natural de tentar levar vantagem em qualquer convívio social (estudamos isso em sociologia). Esses dias ligaram da escola informando que meu sobrinho de 4 anos estava colando na escola... que coisa não? Como disse, já detectaram que isso é natural do ser humano. Outra prova de tal coisa é a existência de regras que prezam pela moral. Se existem regras para tal coisa é por que isso não é natural. Não há uma regra que nos obrigue a unir-mos com alguém (casamento) pois é natural.
Esses seres humanos...
Abração Queridona!
Sil
Aquele comentário do Merton tá estranho sim. Um precisa de senha e o outro espera para ser aprovado, mas deixei seu comentário lá, ok?
Mariposo
Também gostei da bandeira, ela tá guardada ha tempos no meu micro. Eu sabia que um dia ela ia combinar com algum texto.
Filho já tá legal, eu que não tô pronta pra outra. Ô susto sô!
Vlad
Com 4 aninhos né? A juventude anda aprontando cada vez mais cedo. Daqui a pouco nascem passando a mão na bunda da enfermeira. kkkk
E aí, Vlad, cadê o blog novo?
NOTA DA LUA: O Xao, meu filho, já tá legal. Se quiserem, nesse link aí vão ver ele e suas duas bandas (eu pensei que era uma só) num torneio de futebol entre bandas que teve aqui no feriado. Ele está na última foto.
LUA, estou passando por aqui pra dizer que é um privilégio estar no seu blog.
Sinto-me honrado pelo carinho e pela consideração em ter postado um dos meus textos.
Muito obrigado e sinta-se à vontade para usar todos os textos que você quiser. Você pode encontrar nos links:
ppmelopsicologia.blogspot.com
ppmelopolitica.blogspot.com
ppmeloeducacao.blogspot.com
Um abraço.
Pedro Paulo,
O privilégio foi todo meu. Seu comentário acabou virando minha última postagem.
Abração
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