segunda-feira, 3 de março de 2008

"NÓS POVO" ou O MANIFESTO DE UMA BRASILEIRA

Matéria editada no jornal Folha do Pantanal - Coxim/MS - outubro/1999.
Bem antiga, mas tão atual...



“NÓS POVO” ou O MANIFESTO DE UMA BRASILEIRA

Acabo de ler uma frase muito sugestiva de Eduardo Martins em uma revista Veja antiga: "Entre o voto e a ética, fica-se com o voto". Não me pergunto mais o porquê; já começo a saber, já começo a transpor a minha “infância política” de quando Chico Buarque e eu, achávamos que “apesar de você, amanhã haveria de ser outro dia...”. Não estamos prontos para o crescimento, mas quando estaremos? Me pergunto quando estará realmente maduro um povo que ainda pensa na possibilidade da volta de um presidente tão deslumbrado e imaturo que saiu sob toneladas de desconfianças, dúvidas e processos que não foram levados adiante? Quando estará maduro um povo que acha que promessas de campanha serão cumpridas? Um povo que dá seu título de eleitor para que outro vote por ele, ou que vota em um candidato porque ele paga suas contas de água ou luz? Será que “nós povo” não vemos que alguns políticos nos dão migalhas, justamente porque estão tirando nosso pão? Em Ciência Política aprendemos que “todo poder significa servir”, então não estaremos realmente maduros enquanto para alguns “todo poder significar ser servido” e não servir como seria o esperado de todo político que se preza. Essas duas frases: “entre o voto” e “todo poder” estão muito unidas, apesar da distância de onde foram garimpadas; pois se voto dá poderes e o poder dá o direito de ser servido, a ética onde fica? E o povo, onde está? E “nós povo” o que poderemos fazer para reverter toda essa situação?

Há alguns anos atrás era bem mais fácil. Tínhamos um regime ditatorial militar, que por não ter a simpatia do povo podia ser nosso alvo, nosso muro das lamentações. Tudo ficava meio parado, meio suspenso no ar, o que líamos ou ouvíamos na mídia era com os verbos conjugados no futuro: “seremos o celeiro do mundo, essa terra ainda vai ser livre, ainda teremos escolas decentes, a saúde irá melhorar, o povo terá mais liberdade de escolha, o futuro da Nação, etc, etc, etc”. Mas no G7, por enquanto, só entramos para pedir, para sermos salvos em momentos de crise.

Essa terra já é livre e continuamos tendo péssimas escolas, e a saúde continua sendo vítima dos descasos administrativos em todas as instâncias. Como prova disso temos o SUS e o CPMF, que vieram com a capa de corrigir distorções, mas que já nasceram distorcidos. Mas “nós povo” já podemos escolher apesar das opções erradas ou até do sentimento de falta de opção que nos faz anular, erradamente, o voto. Essa terra já não tem mais os “biônicos” e o futuro já não é mais futuro, é presente. Mas continuamos esperando, até o dia que finalmente não esperaremos mais (será esse o tão esperado dia da maturidade política?) e então teremos consciência que nós somos o povo, que podemos nos unir, pois a união faz a força. Formaremos um imenso “rancho da goiabada”, um grupo que de tão coeso se tornará homogêneo, formado de: políticos sonhadores, médicos e professores mal pagos, sem-terra, sem-emprego, sem-teto, policiais sem-chances, pois têm que trabalhar sem-armas compatíveis com às dos bandidos e mães sem-creches que deixam seus filhos sem-saúde sozinhos em casa. Ou seja, brasileiros que em geral já estão sem-esperança.

A homogeneidade está justamente no fato de sermos o povo desta Nação do Presente, desta Nação que não quer mais acreditar em políticos oriundos de uma “ideologia partidária” que afunda os Estados e Municípios e nos dizem cinicamente: “vamos mudar”, quando sabemos que tudo que eles têm mudado nos últimos anos é o valor de suas próprias contas correntes. Não queremos mudar de “idem para igual”, não queremos mudar do governador para seu braço direito, não queremos mudar com continuísmos, não queremos mais nem o “sobrinho do coronel”. Não queremos administradores públicos que administrem nossas vidas, nossa pobreza em prol da sua riqueza. O progresso de quem trabalha honestamente incomoda aos coronéis que se fazem de honestos.

“Nós povo” temos que aprender que ainda podemos nos unir, mesmo que seja em torno da utopia de se fazer uma campanha política apenas com “a sola do sapato”. Nós somos gente, somos a mão-de-obra que constrói essa Nação, somos, principalmente, trabalhadores que esperam ser respeitados por políticos que, se nada podem fazer para ajudar nosso povo, pelo menos deixem os que têm emprego trabalhar em paz.



Lua Nua
Outubro de 98

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