terça-feira, 16 de abril de 2019

CRUSOÉ - “O amigo do amigo de meu pai”

“O AMIGO DO MEU PAI”
Em documento a que Crusoé teve acesso, o empreiteiro Marcelo Odebrecht revela à Lava Jato o codinome usado para se referir a Dias Toffoli na empreiteira
Rodrigo Rangel
Mateus Coutinho

Na última terça-feira, um documento explosivo enviado pelo empreiteiro-delator Marcelo Odebrecht foi juntado a um dos processos da Lava Jato que tramitam na Justiça Federal de Curitiba. As nove páginas trazem esclarecimentos que a Polícia Federal havia pedido a ele, a partir de uma série de mensagens eletrônicas entregues no curso de sua delação premiada.

No primeiro item, Marcelo Odebrecht responde a uma indagação da Polícia Federal acerca de codinomes que aparecem em e-mails cujo teor ainda hoje é objeto de investigação. A primeira dessas mensagens foi enviada pelo empreiteiro em 13 de julho de 2007 a dois altos executivos da Odebrecht, Irineu Berardi Meireles e Adriano Sá de Seixas Maia. O texto, como os de centenas de outras e-mails que os executivos da empreiteira trocavam no auge do esquema descoberto pela Lava Jato, tinha uma dose de mistério. Marcelo Odebrecht pergunta aos dois: “Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?”. É Adriano Maia quem responde, pouco mais de duas horas depois: “Em curso”. A conversa foi incluída no rol de esclarecimentos solicitados a Marcelo Odebrecht. Eles queriam saber, entre outras coisas, quem é o tal ”amigo do amigo do meu pai”. E pediram que Marcelo explicasse, “com o detalhamento possível”, os “assuntos lícitos e ilícitos tratados, assim como identificação de eventuais codinomes”.

A resposta do empreiteiro, que após passar uma longa temporada na prisão em Curitiba agora cumpre o restante da pena em regime domiciliar, foi surpreendente. Escreveu Marcelo Odebrecht no documento enviado esta semana à Lava Jato: “(A mensagem) Refere-se a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira. ‘Amigo do amigo de meu pai’ se refere a José Antonio Dias Toffoli”. AGU é a Advocacia-Geral da União. Dias Toffoli era o advogado-geral em 2007.

O empreiteiro prossegue, acrescentando que mais detalhes do caso podem ser fornecidos à Lava Jato pelo próprio Adriano Maia. “A natureza e o conteúdo dessas tratativas, porém, só podem ser devidamente esclarecidos por Adriano Maia, que as conduziu”, afirmou no documento, obtido por Crusoé.
Adriano Maia se desligou da Odebrecht em 2018, depois do turbilhão que engoliu a empreiteira. Ex-diretor jurídico da construtora, seu nome já havia aparecido nos depoimentos da delação premiada de Marcelo Odebrecht. Ele é citado como conhecedor dos negócios ilícitos da empresa. O empreiteiro diz que Adriano Maia sabia, por exemplo, do pagamento de propinas para aprovar em Brasília medidas provisórias de interesse da Odebrecht. Ele menciona, entre os casos, a MP que resultou no chamado “Refis da Crise” e permitiu a renegociação de dívidas bilionárias após acertos pouco ortodoxos com os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci.

Adriano Maia também aparece em outras trocas de mensagens com Marcelo Odebrecht que já constavam nos inquéritos da Lava Jato. Em uma delas, também de 2007, Odebrecht o orienta a estreitar relações com Dias Toffoli na Advocacia-Geral da União. Àquela altura, a Odebrecht tinha interesse, juntamente com outras construtoras parceiras, em vencer a licitação para construção e operação da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira. Na AGU, Toffoli havia montado uma força-tarefa com mais de uma centena de funcionários para responder, na Justiça, às ações que envolviam o leilão.

Havia um esforço grande do governo para dar partida às obras. O leilão para a construção da usina de Santo Antônio foi realizado em dezembro de 2007, cinco meses após a mensagem em que Marcelo Odebrecht pergunta aos dois subordinados se eles “fecharam com o amigo do amigo de meu pai”. A disputa foi vencida pelo consórcio formado por Odebrecht, Furnas, Andrade Gutierrez e Cemig. A Lava Jato trabalha para destrinchar o que há por trás dos e-mails – e dos codinomes que, agora, a partir dos esclarecimentos de Marcelo Odebrecht, são conhecidos.

A menção a Dias Toffoli despertou, obviamente, a atenção dos investigadores de Curitiba. Uma cópia do material foi remetida à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para que ela avalie se é o caso ou não de abrir uma frente de investigação sobre o ministro – por integrar a Suprema Corte, ele tem foro privilegiado e só pode ser investigado pela PGR.

Os codinomes relacionados às amizades de Marcelo e do pai dele, Emílio Odebrecht, já apareciam nas primeiras mensagens da empreiteira às quais a Polícia Federal teve acesso, ainda na 14a fase da Lava Jato, deflagrada em junho de 2015. No material, havia referências frequentes a “amigo”, “amigo de meu pai” e “amigo de EO”.

Demorou pouco mais de um ano para que os investigadores colocassem no papel, pela primeira vez, que o “amigo de meu pai” a que Marcelo costumava se referir era Lula – o ex-presidente conhecia Emílio Odebrecht desde os tempos em que era sindicalista. As mensagens passaram a fazer ainda mais sentido depois. Elas quase sempre tratavam de assuntos relacionados ao petista.

Se havia a certeza de que o “amigo de meu pai” era Lula, ainda era um enigma quem seria o tal “amigo do amigo de meu pai”. Sabia- se que, provavelmente, era alguém próximo a Lula. Mas faltavam elementos para cravar o “dono” do codinome e, assim, tentar avançar na apuração. A alternativa que restava era, evidentemente, perguntar ao próprio Marcelo Odebrecht. E assim foi feito.
Há fundadas razões, como se diz no jargão jurídico, para Dias Toffoli ser tratado por Marcelo Odebrecht como “amigo do amigo de meu pai” – amigo de Lula, portanto. O atual presidente do Supremo foi, durante anos a fio, advogado do PT. Com a chegada de Lula ao poder, ascendeu juntamente com os companheiros. Sempre manteve ótima relação com o agora ex-presidente, que está preso em Curitiba.

Em 2003, Dias Toffoli foi escolhido para ser o subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil. Naquele tempo, o ministro era José Dirceu. Toffoli ocupou o posto até julho de 2005. Em 2007, foi nomeado por Lula chefe da Advocacia-Geral da União, um dos cargos mais prestigiosos da máquina federal. Em 2009, deu mais um salto na carreira: Lula o escolheu para uma das onze vagas de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Nesta quinta-feira, Crusoé perguntou a Dias Toffoli que tipo de relacionamento ele manteve com os executivos da Odebrecht no período em que chefiava a AGU e, em especial, quando a empreiteira tentava vencer o leilão para a construção das usinas hidrelétricas no rio Madeira. Até a publicação desta edição, porém, o ministro não havia respondido.

Os outros e-mails listados na resposta de Marcelo Odebrecht ao pedido de esclarecimentos feito pela Polícia Federal trazem mais bastidores da intensa negociação travada entre a empreiteira e o governo em torno dos leilões para a construção das usinas na região amazônica – projetos que, na ocasião, eram tratados por Brasília com grande prioridade e que, como a Lava Jato descobriria mais tarde, viraram uma fonte generosa de propinas para a cúpula petista.

Ao explicar uma das mensagens, Marcelo Odebrecht volta a envolver o ex-presidente Lula diretamente nas controversas negociações com a companhia. Ao se referir à decisão da empresa de abrir mão de um contrato de exclusividade com seus fornecedores no processo de licitação da usina de Santo Antônio, Marcelo afirma que a medida foi adotada a partir de uma conversa privada entre Lula e Emílio Odebrecht.

Diz ele: “Esta negociação foi feita entre Emílio Odebrecht e o presidente Lula (‘amigo de meu pai’) que prometeu compensar a Odebrecht em dobro (de alguma forma que só Emílio Odebrecht pode explicar)”. Também há menção a Dilma Rousseff, tratada em um dos e-mails como “Madame”. A então ministra da Casa Civil de Lula era vista, àquela altura, como um empecilho aos projetos da Odebrecht na área de energia na região norte do país. As mensagens trazem, ainda, referências aos pedidos de propina relacionados aos leilões, que chegavam por intermédio de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT.

Com as respostas do empreiteiro- delator, a Lava Jato deverá dar mais um passo nas investigações sobre os leilões das hidrelétricas. Uma das frentes de apuração, que mira a construção da usina de Belo Monte, já está avançada. Quanto à menção de Marcelo Odebrecht a Dias Toffoli, não se sabe, até aqui, se a Procuradoria-Geral da República pedirá algum tipo de esclarecimento ao ministro antes de decidir o que fazer. Como advogado-geral da União, Toffoli tinha a atribuição de lidar com o tema. Até por isso, não é possível, apenas com base na menção a ele, dizer se havia algo de ilegal na relação com a empreiteira. Mas explicações, vale dizer, são sempre bem-vindas.


O OCASO DE DIRCEU
A melancolia do outrora todo-poderoso chefe petista nos dias que antecedem a sua volta à prisão
Caio Junqueira
Chefe do mensalão, expoente do petrolão e condenado a mais de 30 anos de prisão, o ex-ministro José Dirceu vive seus últimos e melancólicos dias de liberdade antes do certo retorno à cadeia.

A influência no PT, o partido que ajudou a estruturar e a chegar ao poder, se esvaiu. As vendas do livro no qual apostou para pagar suas contas ficou aquém das expectativas. Sua festa de aniversário, em março, foi esvaziada. Os companheiros de partido mais próximos até tentam agradá-lo, com conversas frequentes, mas ele já não é mais nem a sombra do que foi no auge da era petista no poder. As alegrias que vem tendo são poucas, como a provocação de mau gosto que seu filho, o deputado Zeca Dirceu, fez há duas semanas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, ao dizer que ele era “tchutchuca” com os abastados do país.


A volta à prisão é iminente. Em breve, ele será recolhido à penitenciária da Papuda, onde já esteve por uma longa temporada. O retorno ao cárcere se dará provavelmente em maio, quando o Tribunal Regional Federal da 4a Região julgará seu último recurso em uma ação da Lava Jato na qual ele é acusado de receber 2,1 milhões de reais em propinas decorrentes de um contrato da Petrobras com uma fornecedora de tubos.

Esse é apenas mais um entre vários processos a que o ex-todo- poderoso ministro petista responde por sua participação no petrolão. Nesse caso, foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A pena é de onze anos e três meses de prisão.

Dirceu está solto desde junho de 2018, graças a uma iniciativa do atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, seu ex-subordinado no PT e no governo Lula. Àquela altura, Toffoli integrava a Segunda Turma da corte e decidiu rever a pena do petista de ofício – sem que houvesse pedido da defesa. A decisão foi acompanhada por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
O processo era distinto daquele que o TRF deverá julgar no próximo mês. Referia-se ao recebimento de 15 milhões de reais em propinas pagas pela Engevix. Por essa frente de investigação da Lava Jato, Dirceu foi condenado a 23 anos e três meses de prisão por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e organização criminosa.

Às condenações pelo esquema de corrupção na Petrobras se somam os sete anos e onze meses de prisão da pena por corrupção ativa que lhe foi imposta pelo Supremo no processo do mensalão. No total, Dirceu cumpriu um ano de cadeia pelo mensalão e mais dez meses pelo petrolão — menos de 10% do somatório de todas as condenações.

O horizonte para o petista está longe de ser dos melhores. Além das sentenças que já carrega nas costas, ele é réu em outro processo, em que é acusado de receber 2,4 milhões de reais de empreiteiras por meio de contratos fictícios firmados com a sua empresa, a JD Consultoria.

Como se não bastasse, um relatório técnico do MPF apontou que a Odebrecht repassou, entre 2008 e 2012, pelo menos R$ 13 milhões a “Guerrilheiro”, um codinome atribuído a José Dirceu pelos delatores da construtora. O documento, de novembro de 2018, foi juntado a uma investigação sobre o petista e seu filho, o deputado Zeca Dirceu, que tramitava no STF, mas acabou remetida à Justiça Eleitoral do Paraná em março deste ano por Edson Fachin. Ante a profusão de acusações, ele já admite que, desta vez, vai ficar um longo período em regime fechado.

Nas conversas com amigos e colegas de partido, Dirceu tem deixado transparecer o desânimo. Embora ainda insista em tratar de política, e se esmere na distribuição de recomendações a serem seguidas pelo PT na oposição, ele gasta a maior parte do tempo falando sobre a expectativa do retorno à prisão.

Estranhamente, gosta de lembrar das temporadas que passou na Papuda. Fala da rotina, da disciplina e das amizades. Principalmente aquelas que fez com políticos com os quais compartilhou a vida no cárcere, seja na Papuda, seja em Curitiba, onde também esteve preso. É o caso dos ex-senadores Luiz Estevão e Gim Argello, do ex- deputado Pedro Correa e do ex- tesoureiro petista João Vaccari Neto.

A relação com Estevão, especialmente, tornou-se estreita. Adversários políticos no passado, os dois ficaram muito próximos na cadeia. Conversavam diariamente. Tratavam de política e de estratégias de defesa. O ex-senador chegou a oferecer a Dirceu a posição de articulista político em um site de sua propriedade. Depois, foi aconselhado a recuar da oferta porque a parceria não soaria bem.

Ao desfiar suas memórias da Papuda, Dirceu gosta de contar que Luiz Estevão, condenado pelo desvio milionário das obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, bancou uma reforma no presídio para que detentos como ele tivessem uma vida menos insalubre – as obras, que passaram a ser alvo de investigação do Ministério Público, foram feitas na ala da penitenciária para onde costumam ser levados os presos famosos.

“Chega na prisão, não dá para brigar com ela. Porque chega lá e tem insônia, depressão, toma remédio, chora, quer a mãe. Eu resolvi escrever. Mas tinha companheiros que só choravam. Não faziam a barba. Eu falava: ‘Você vai receber seus filhos assim? Vai se arrumar. Para de chorar’. É duro ficar preso. Mas a cadeia tem que ser uma trincheira”, diz.

Para além das conversas reservadas e da rotina de quase clausura (ele evita frequentar ambientes onde possa correr, o ex- ministro tem se dedicado a sessões de divulgação de seu livro, “Zé Dirceu Memórias – volume I”. Desde o lançamento, em novembro, ele já passou por 22 capitais e dezenas de cidades do interior do país. As sessões costumam ocorrer em sindicatos, centros culturais e até mesmo em circos. A aliados, ele jura que a venda dos livros é, hoje, sua principal fonte de renda.

“Ele está seguindo a vida normalmente, esperando as decisões judiciais. Está aí como camelô de livro, vendendo o livro dele pelas ruas”, diz Luiz Fernando Emediato, o editor de Dirceu. Até agora, já foram vendidos 30 mil exemplares do livro, cada um a 60 reais. O petista recebe em torno de 10% do valor bruto de cada unidade, o que permite concluir que, até agora, ele já faturou aproximadamente 180 mil reais pela obra – quase nada perto dos milhões apurados por ele nos esquemas de corrupção descobertos pela Lava Jato. As vendas ficaram abaixo do esperado. “Foram um pouco menos que as projetadas”, admite o editor, atribuindo o fracasso à situação de penúria das maiores livrarias do país.

Além da renda com o livro, por ter sido deputado, Dirceu também recebe uma aposentadoria de aproximadamente 10 mil reais. Seus bens, avaliados em mais de 11 milhões de reais, estão bloqueados. O petista vive com a filha e a mulher em um apartamento emprestado pela sogra em um bairro nobre de Brasília.

Os encontros para divulgar o livro – e levantar dinheiro – são organizados por militantes que garantem atuar voluntariamente. Em muitas ocasiões, o PT oferece ajuda com o espaço de seus diretórios para as sessões de autógrafos. Mas poucos dos figurões petistas comparecem, o que só confirma que a influência de outrora se esvaiu. Dirceu é ouvido, mas suas posições já não são determinantes. “Não é alguém que o PT vai tomar uma decisão a partir do que ele fala”, disse a Crusoé um dirigente do partido.

Na noite desta quinta-feira, 11, Crusoé acompanhou uma dessas sessões de lançamento do livro no Gama, cidade-satélite de Brasília situada a 35 quilômetros da Esplanada dos Ministérios. Era o retrato perfeito da nova fase de Dirceu. Na “Casa 5”, um espaço para eventos típico das periferias das capitais, encravado em uma rua escura, com calçamento irregular e repleta de bares com idosos jogando dama nas calçadas tendo ao fundo o som de cânticos de igrejas evangélicas vizinhas, não havia mais que 50 pessoas.

No salão de cerca de 300 metros quadrados, o petista falou por quase uma hora sobre a formação do estado brasileiro enquanto crianças aproveitavam, bem ao lado, um pula-pula. Pouco antes de Dirceu começar falar, Chico Vigilante, deputado distrital e fundador do PT no Distrito Federal, fez um apelo aos presentes, repetindo a história de que o companheiro está necessitado: “É importante adquirir o livro porque o Zé não tem patrimônio e quer deixar uma poupança para a filha. Ele não sabe a situação dele nos próximos meses porque ninguém respeita a Constituição”.

Dirceu discorreu sobre a história do país (sob a ótica petista, claro), fez ataques ao presidente Jair Bolsonaro e abordou os dilemas do PT. “Se a situação mudou, nós temos que mudar. É ilusão pensar que não podem surgir outros partidos e lideranças. Quem aqui sabe o nome de alguém da direção do PT?”, provocou. Ninguém sabia. Para ele, tudo está mudando e o partido precisa se adaptar. Citou como exemplo da mudança a proximidade do petismo com grupos que, até há pouco, quando
o partido estava no poder, eram tratados como inimigos: “Quem diria há seis meses que estaríamos hoje defendendo o STF? Que estaríamos defendendo a Globo e a Folha contra o Bolsonaro? Que a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) iria nos chamar para conversar?”. Ele se negou a falar com Crusoé.

O papel diminuído de Dirceu no PT é bem exemplificado pelo espaço que Dirceu terá no seminário que o partido realiza neste final de semana. Batizado de “O PT e os desafios da esquerda no século 21: utopia e resistência”, ele participará de uma mesa que discutirá “Estratégia Socialista e defesa da democracia no Brasil”. Ao seu lado estarão gente do quilate do ex-senador Lindbergh Farias, derrotado na eleição de 2018, e Juliano Medeiros, presidente do PSOL. Outro exemplo é a festa mirrada para comemorar seus 73 anos, em março. O clima era de despedida. O petista se emocionou por diversas vezes. Em um claro sinal de vacas magras, foi pedido que cada convidado levasse aquilo que fosse beber. Não havia nenhum expoente petista na confraternização.

Apesar da perda de influência, Dirceu tem mantido relação permanente com os correligionários, em especial deputados e senadores do PT. Fala com alguns deles ao telefone pelo menos uma vez ao dia e participa de reuniões informais, sempre fora do partido, onde evita passar. Está alinhado a um movimento crescente para que a legenda se descole da pauta “Lula Livre” e passe a atuar em outras frentes, com o objetivo de evitar o isolamento político.

A avaliação desse grupo é a de que a pauta única em torno da libertação do ex-presidente pode até segurar o terço do eleitorado que os petistas acreditam ter, de qualquer modo, em todas as eleições. No entanto, o samba de uma nota só, dizem, impede a sigla de romper essa bolha e, consequentemente, voltar a ser uma alternativa de poder em 2022 – um sonho que os petistas ainda acalentam, apesar da fragorosa derrota em 2018.

Se prevalecer, esse movimento provavelmente resultará no afastamento da deputada Gleisi Hoffmann, a maior entusiasta da agenda “Lula Livre”, do comando partidário na eleição interna, prevista para outubro. Nas últimas semanas, diversos petistas, como o deputado José Guimarães, os senadores Jaques Wagner e Humberto Costa, o governador do Piauí, Wellington Dias, e o ex-ministro Luiz Dulci desembarcaram na cadeia em Curitiba para medir o ânimo de Lula em relação a uma eventual mudança na linha de atuação do partido.

O ex-presidente, que antes estava fechado com a recondução de Gleisi, agora tem dito que “ainda é cedo para falar disso”. Para quem conhece o chefão petista, trata-se de um sinal claro de que ele já começa a aceitar a substituição de Gleisi. Dirceu, porém, embora apoie essa estratégia, está longe de liderá-la. Sinal dos tempos.

O ocaso do ex-ministro tem feito também com que ele ensaie uma espécie de autocrítica sobre o período em que o PT governou o país, algo que ele mesmo sempre se recusou a fazer. “Uma coisa é caixa 2 de campanha e relação com empresas para campanhas eleitorais. Se temos que fazer uma autocrítica, é aqui. Mas sabemos que Lula está preso pela esquerda, pelo PT”, disse ele no evento desta quinta. Em um jantar recente com parlamentares, questionou: “Lula precisou criar maioria e trouxe junto os vícios da política, Haveria outro caminho?”. Defendeu ainda que o partido se renove e se repense. Aproveitou para se defender das inúmeras acusações e condenações contra ele na Justiça. Refutou ter cometido qualquer crime e apontou que quem o acusa, os delatores, foram os que mais ganharam dinheiro por meio dele. A Justiça, como é sabido, pensa diferente.

APOSENTADORIA? NEM PENSAR
Diogo Mainard

Jair Bolsonaro vai gastar mais dinheiro com propaganda da reforma previdenciária. Não adianta nada. É um mau produto. Quanto mais ele explicar, pior. Ninguém quer se aposentar mais tarde, ganhando menos. A única defesa que se pode fazer da reforma é que, sem ela, o Brasil quebra.

Eu já me aposentei uma vez, em 2010. Larguei a imprensa e fiquei em casa escrevendo um livro. Foi a melhor fase da minha vida. A aposentadoria é ótima. Depois disso, para me penitenciar, porque é um sacrilégio ter tanto prazer assim, arrumei um trabalho que toma 14 horas do meu dia. E, dessas 14 horas, umas 7 são dedicadas à reforma previdenciária, o assunto mais aborrecido de todos os tempos, ao qual O Antagonista dedica uma quantidade desmedida de posts igualmente aborrecidos, em geral feitos por mim.

Apesar de ser essencial para a economia, a reforma previdenciária é ruim para os negócios. Ninguém quer ler sobre ela. É a PEC mata- cliques. Para me penitenciar, decidi trazer o tema também para a Crusoé. Mas é ainda pior do que isso. Daqui a alguns dias, vamos abrir outra frente de trabalho. Além de O Antagonista e da Crusoé, que vão continuar idênticos – ou seja, com a mesma carga horária -, poderei falar sobre a reforma previdenciária igualmente no A+, nosso novo empreendimento, que vai cobrir uma área do jornalismo que o site e a revista não cobrem.

Em breve, portanto, minhas 14 horas de trabalho vão se transformar magicamente em 18 ou 19. Não por acaso, a primeira providência que meu sócio e amigo fraterno Mario Sabino tomou foi obrigar-me a fazer, assim como ele, um seguro de vida. Desde então, estamos numa disputa entusiasmante para saber quem morre mais cedo, ele ou eu. É provável que dê empate. Aposentadoria? Nem pensar.

“O RUÍDO ESTÁ SENDO SUPERADO”
Às vésperas da votação da reforma da Previdência na CCJ, o presidente da comissão defende que o Planalto converse mais com os deputados e diferencie os que “têm bons objetivos” da “minoria que não tem”
Igor Gadelha

Em um churrasco no Paraná em outubro do ano passado, logo após sua primeira eleição para deputado federal, Felipe Francischini disse a amigos e aliados: vou ser o próximo presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A maioria riu. Achava que um deputado de 27 anos de idade, e em primeiro mandato, jamais conseguiria presidir a comissão mais importante da casa. Felipe ignorou. E passou a estudar o perfil de cada um dos 52 deputados eleitos pelo seu partido, o PSL, que poderia reivindicar o comando da CCJ por ter a maior bancada. Analisou o eleitorado, a região em que cada um havia sido mais votado e a área de atuação de cada um dos correligionários. Com as informações na cabeça, passou a ligar para os colegas pedindo apoio.

Àquela altura, a deputada Bia Kicis, do PSL do Distrito Federal, propagava pelos quatro cantos que tinha o apoio de Jair Bolsonaro para assumir o posto. Isso acabou ajudando o paranaense, que conquistou apoios também fora do PSL, justamente com o discurso de que não era o candidato do Palácio do Planalto. Antes de ir para Câmara, Felipe havia cumprido um único mandato como deputado estadual pelo Paraná, entre 2015 e 2019. Até então, só ia a Brasília para visitar o pai, o delegado da Polícia Federal Fernando Francischini, que era deputado federal. Na última eleição, os dois trocaram de lugar. Fernando, que queria ficar mais no estado porque pretende disputar a Prefeitura de Curitiba em 2020, agora despacha na Assembleia Legislativa do Paraná.

Formado em direito, Felipe Francischini sempre focou sua atuação na área de segurança, a exemplo do pai. A pauta o aproximou da família do hoje presidente Jair Bolsonaro. Entre um cigarro e outro (ele fuma, em média, dois maços por dia), o presidente da CCJ falou a Crusoé na última quarta- feira. Disse que falta uma “habilidade mais aguçada” da equipe de articulação política do Planalto, cobrou ações mais coordenadas, mas observou que, de duas semanas para cá, a relação do palácio com o Congresso tem melhorado. “Pelo menos o diálogo está fluindo de maneira mais tranquila. O governo já não tem dado mais tanta barrigada por aí”, afirmou. Eis os principais trechos da conversa:

A articulação política do governo está ruim mesmo ou o que se viu na audiência com o ministro Paulo Guedes foi um acidente de percurso?

É um processo muito natural que tem acontecido, na minha visão. Bolsonaro ganhou a eleição com apenas dois partidos, o PSL e o PRTB do vice-presidente Hamilton Mourão. Geralmente, no Brasil, quando um presidente se elegia tinha dez, quinze partidos ao lado dele. O ato de sair da eleição e sentar na cadeira presidencial era muito fácil quando se trazia tantos partidos para dentro da base do governo, com a distribuição de ministérios, com indicações políticas. Com Bolsonaro foi diferente: já houve uma ruptura. No caso da construção da base no Congresso, o que aconteceu? Na primeira semana, já chegou a PEC da Previdência, que é uma proposta bastante polêmica. Vários fatores ajudaram a fazer com que a articulação inicial fosse muito difícil. É claro que falta uma habilidade mais aguçada da equipe que foi montada na articulação política. Não que eles não sejam boas figuras, mas falta uma ação integral, uma coordenação maior. Mas tenho percebido que, de duas semanas para cá, tem melhorado bastante essa relação. Acho que as coisas estão se assentando um pouco no Congresso. Pelo menos o diálogo está fluindo de maneira mais tranquila. O governo já não tem dado mais tanta barrigada por aí. É preciso que se comece a distinguir quem tem bons objetivos da minoria que não tem.

Qual é o real motivo do incômodo dos parlamentares com o presidente? É falta de cargo, de emendas, de atenção?
Na experiência brasileira, o Legislativo sempre entendeu que era uma prática natural fazer indicações políticas para o Executivo. Tem governo que abre para a corrupção, tem governo que não abre. Mas sempre foi um processo natural na construção da política brasileira. Quando o presidente Bolsonaro entra e tenta fazer uma ruptura nesse sistema, querendo mudar alguns critérios, é claro que há um certo desconforto com a mudança. Só vejo que muitos parlamentares ficaram, talvez, um pouco irritados com algumas posturas, não do presidente, mas do governo como um todo, de tentar criminalizar ou tentar colocar como se essas indicações fossem sempre uma prática ilícita. Essa relação está sendo recosturada agora. Muitos parlamentares hoje nem querem indicar para cargos no governo. Querem ser atendidos pelos ministérios, para levarem seus prefeitos, governadores. Querem ter portas abertas junto ao presidente para poder levar questões de projetos de lei. Agora o governo também dá a entender que abrirá (a possibilidade de indicações), com currículo, com pessoas técnicas, obedecendo a muito critério e controle. Não será mais como antigamente, quando se loteava ministério O presidente está implementando esse processo de mudança. O discurso inicial gerou esse ruído, mas está sendo superado.

O líder do governo, Major Vitor Hugo, enfrenta resistências até mesmo dentro do PSL. Uma eventual saída dele poderia melhorar a articulação política?
Acredito que a troca não altera. No começo da nossa legislatura, havia muitas críticas ao Major Vitor Hugo. Expus isso a ele. Vejo que o desgaste criado no início é justamente decorrente desse processo natural de que falei, que é o da construção de uma base que não existia, de ruptura de um sistema de distribuição de cargos. Qualquer líder do governo teria um problema muito grande diante dessa ruptura, porque até as coisas se ajeitarem, é um processo difícil.

O bate-cabeça dentro da bancada do PSL pode atrapalhar?
O PSL era um partido que tinha um deputado federal e passou a ter 55, na conta de hoje. Geralmente, o partido do presidente, do governador ou do prefeito tem uma forte relação com o Executivo. Nesse caso, não acontece. Todos os nossos deputados são alinhados às pautas do presidente Bolsonaro. No entanto, o presidente nunca foi um dirigente partidário. Ele nunca exerceu comando formal sobre essas pessoas. Muitos deputados foram conhecer o presidente após a eleição. Concordavam com ele, defendiam, mas foram conhecer depois. No início, havia muito bate-cabeça dentro do PSL, havia muita divergência em pontos nevrálgicos. Hoje, vejo que está havendo um consenso maior, um direcionamento de ações mais efetivo que não demonstramos na sessão da leitura do parecer (da PEC da reforma da Previdência), mas acredito que isso vai ser corrigido com o tempo.

A oposição tem feito bastante barulho na CCJ. O governo terá muita dificuldade na votação da reforma da Previdência na comissão?
A oposição faz o seu papel. Se você analisar historicamente, em projetos como reforma da Previdência, como reforma tributária, a oposição sempre vem com argumentos veementes, com uma postura mais rígida, cobrando aspectos do regimento interno que às vezes nem estão no regimento. Eles querem, às vezes, sobrestar essas discussões para ensejar um debate maior. Então, encaro com muita naturalidade a oposição fazer todas esses questionamentos e até um pouco de barulho na comissão. No entanto, espero que o governo e a oposição façam um acordo para haver menos obstruções na votação. O acordo não depende de mim, e sim da liderança do governo com a liderança da oposição. Se não houver acordo, claro que as cenas de ontem (terça-feira, 9) se repetirão, com muito debate, muita discussão e, eventualmente, a suspensão da sessão por alguns minutos. Mas, se acontecer o acordo, tudo será diferente.


Há possibilidade de a proposta ser alterada já na CCJ?
A chance sempre existe. No entanto, em uma questão de ordem que respondi, deixei assentado o precedente aqui da Câmara de que não se admite destaque em proposta de emenda à Constituição, muito menos emenda supressiva. O que pode acontecer é, no parecer do relator, ele retirar alguns trechos em virtude de desconformidade com a Constituição. Então, caso a comissão entenda que isso deve acontecer, ou o relator vai mudar seu relatório para prestigiar o entendimento, ou podem fazer outro relatório paralelo e aprovar esse relatório. É possível a modificação. Não por emenda, mas apenas via texto do relator. Não acredito que vai acontecer.


Outros temas polêmicos passarão pela CCJ, entre eles, uma proposta do senador José Serra para implementar o parlamentarismo no país. O que
pensa sobre isso?

Sou favorável ao parlamentarismo. De todos os estudos que fiz, acredito que é o sistema mais adequado. Não é, porém, uma transição fácil. Qualquer discussão sobre parlamentarismo tem que ser com muito pé no chão, com muita responsabilidade. Sou favorável, desde que coloque alguns limites e nuances brasileiras dentro do parlamentarismo.

Outro tema que poderá passar pela CCJ é a prisão após condenação em segunda instância. O senhor é favorável?
Sou favorável. Na nossa reunião na CCJ, inclusive, alguns deputados pediram para eu designar logo um relator. O relator antigo era o deputado Rubens Bueno. Vou avaliar essa questão. Os deputados são favoráveis, em sua maioria, à prisão após condenação em segunda instância, mas têm a certeza de que isso precisa ser feito por proposta de emenda à Constituição, e não por projeto de lei. É algo que vamos analisar depois da reforma da Previdência.

Também há uma discussão na Câmara sobre criminalizar o caixa 2. Se a criminalização passar, os deputados tentarão anistiar quem recorreu a essa prática no passado?
Não vejo uma anistia como algo possível, até porque que isso já foi tentado em anos anteriores e a discussão foi retirada, por pressão da opinião pública. Sempre digo que concordo com o objetivo do ministro Sergio Moro de combatar o crime e a corrupção, mas acho que o assunto do caixa 2 tem que ser bem estudado para que não cometamos nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade.

O que seria cometer ilegalidade ou inconstitucionalidade?
Temos que analisar primeiramente a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre essa questão da Justiça Eleitoral e da Justiça comum. Depois, temos que analisar tudo que já foi feito no Brasil e quais seriam os reflexos disso em termos de ampla defesa, de contraditório, quanto a essas pessoas que cometem crimes na área eleitoral. É um tema sobre o qual ainda não formei uma convicção mais forte, porque acredito que tem que ser mais elucidado.

Concorda com a decisão do Supremo de transferir os processos para a Justiça Eleitoral?
A priori, fui favorável, mas não estou fechado a uma possível discussão. Há projetos que já estão tramitando na Casa. A deputada Bia Kicis (do PSL) é uma que tem trabalhado muito essa questão. E outros deputados querem, passada a Previdência, começar a discutir a revisão dessa decisão do Supremo.

A PEC da reforma tributária também deve passar pela comissão que o sr. preside. Acha que será uma discussão mais fácil?
Claro que reforma tributária nunca é um tema fácil, porque há interesses de todos os lados. Mas acredito que é um debate que o Brasil espera há décadas. O brasileiro não aguenta mais político prometer reforma tributária e não concretizar a votação dessa reforma.

Minha prioridade na CCJ, passada a Previdência, com certeza será estar atento à PEC tributária, para poder designar um relator que tenha conhecimento jurídico e tributário ao mesmo tempo, a fim de avançarmos logo e mandar para a comissão especial começar a analisar. Sou favorável à unificação de impostos. Em qualquer país que tem uma legislação coerente, os impostos são unificados, não há tantos impostos como no Brasil. Hoje no Brasil quem mais paga tributo sobre sua renda é o pobre. O pobre contribui com mais de 50% do que ganha. Temos que fazer uma reforma que seja justa para todos, mas que também simplifique a vida do empresário, desburocratize e que possa, na medida do possível, reduzir a carga tributária como um todo.

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